segunda-feira, 15 de fevereiro de 2010

Memórias

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Era uma mulher perspicaz, inteligente, conselheira, que vivia numa aldeia da província. Um dia conheceu um rapaz, casaram e juntos construíram um palácio. Rumaram à capital e implantaram o seu negócio.
Na minha memória, retenho as viagens que faziam à aldeia, as novidades que lhes ouvia contar da moda Lisboeta e dos costumes da época, sempre ilustrados pelas revistas que eu adorava folhear.
Recordo que a sua chegada era como um refrescar da pacatez que se vivia na aldeia onde os dias eram marcados pelo nascer e pôr-do sol e a agricultura era a ocupação das gentes deste recanto Beirão.
Em todas as casas reinava a abundância, porque da terra vinha o sustento, vivia-se feliz e em todas as épocas havia motivos para festejar. No Natal, fazia-se o presépio, vestia-se roupa nova e ia-se à missa; vinha a época das sementeiras, lavravam-se as terras, comiam-se merendas no campo, durante as curtas pausas da lavoura, corria-se a colocar as batatas nos regos, chegavam as andorinhas, descobriam-se os ninhos, e os dias passavam depressa. No Verão, apanhava-se rosmaninho, saltava-se à fogueira, dançava-se nos bailaricos e, ao nascer do sol, um chilrear intenso marcava mais um dia que não se compadecia com a folia da noite. A época da desfolhada, os banhos no rio e, à noite, o cricrilar dos grilos e o piar das corujas. O Outono trazia as geadas, as ventanias, as chuvas e as cheias. O rio transportava tudo o que era esquecido nas margens e, no seu percurso desenfreado, ia largando brinquedos, paus, tábuas, abóboras. Era também a época das vindimas e de provar o vinho doce. Chegava o S. Martinho enfarruscavam-se as faces, apanhava-se a azeitona e, do lagar, traziam-se bilhas de azeite.
Eu adorava ir ao palácio fazer uma visita. Tinham sempre presentes e iguarias diferentes com sabor citadino.
Nas férias fui à capital. A princípio minha mãe receava pela viagem, na época um pouco mais longa, mas cedeu e parti. Conheci uma realidade diferente: um vai e vem de gente que não se cumprimentava e que, apressadamente, atravessava a rua e corria para apanhar o eléctrico. A beleza do nascer e do pôr-do sol quase não se via e as pessoas não me pareciam felizes.
Os anos passaram e o regresso definitivo do casal à sua terra natal e ao palácio foi inevitável. Não tiveram filhos, adoptaram uma menina que se fascinou pela vida citadina e por lá ficou.
O tempo não perdoa e partiram, separados no tempo, mas unidos pelo amor, e o palácio ficou com a sua história para contar.
Recordo, com saudades, a Mulher do palácio da minha infância.
DC

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